domingo, 17 de fevereiro de 2019

E-mail da Estação do Brás com Wi-fi

Escrevivência de Ayan Sardas 

O Brás das multidões
Revelam outro Brasil
O meio fio está repleto
Dos restos dos inquietos
Sedentos por trocar
mercadorias por dinheiro
Dinheiros por mercadorias
De baixo desse sol
O suor escorrendo
São Sacolas nas mãos
Em frente à estação
No meio do Largo da Concórdia
Desconfio da discórdia
Que o homem com a bíblia no braço
Armou maior confusão com cigana bonita
Que dizia que ali no Brás não existia deus não 
Porque aqui tem de tudo
Você vai vir comprar
Mesmo com os corpos suados
Baterás suas pernas
De baixo desse sol
Desembarcará
Pro resto da suas vidas
Na estação do Brás
Para o mercadão do Brasil

O Brás, capital dos imigrantes
2 milhões de pessoas
Vindas de todos os lados
Abarrotadas numa hospedaria
Que de tanta gente hoje virou
Museu pra contar essas histórias
Refrescar nossas memórias
Mas pelo jeito como andam as coisas
É preciso desejar
Para não queimar o museu da imigração

Ai Tom Zé,
Antes eram os italianos
Que ocupavam este bairro
E até hoje vemos rastros de sua cultura
Como até hoje o povo do norte e nordeste
Estão presentes nestas ruas

Ai Tom Zé,
Mas queria tento que você visse
Os olhares desse povo da Bolívia
Esse povo bonito
Estes olhos profundos
Que tanto tem a dizer
Ouço os tec tec tec
Das maquinas de costura
Torço pra que não seja
Tortura dessa nova velha escravidão
Tec tec tec tec tec

Ai Tom Zé,
É preciso ver com os próprios olhos
Que agora em cada esquina tem uma igreja evangélica
Esse negócio promissor
Nesse Brás de muita gente
Dos terreiros escondidos
Esse comercio de igreja impera
Dá um lucro danado
Mas antigamente a igreja do Bom Jesus do Brás
Era a principal da região
Falava-se muito também até então da
Paroquia São Vito
Que nos protege do sono para ficarmos
Acordados na feira da madrugada
Até que foi erguido o Templo de Salomão
Para finalmente nos salvar
Das enchentes que inundam
A Av Rangel Pestana e a Celso Garcia
Finalmente o Templo de Salomão foi erguido!
Este muro alto que parece o de Berlim
Que divide tanta gente,
Que divide opiniões e sensações, e a paisagem
Até o Trump teria inveja de algo tão arrojado pra separar o povo mexicano
Lá da estação Bresser-Mocca dá pra ver as suas luzes douradas
Agora vamos lá povo do Brás
Vamos ocupar essa fortaleza
Pegar o que nosso por direito
Erguer um altar para o São Sacolas
Nosso santo pagão
Do comercio do Brás

Ai Tom Zé,
É preciso ver também esse povo
A diáspora africana
Com suas lojas bacanas
Estendidas no chão
Aos domingos fazem festas nas calçadas
Embelezando o Brás
Com as suas crianças brincantes
Usando batas brilhantes
Vendem fones de ouvido
Pra nos fazer escutar melhor
Sobre os nossos ancestrais

Ai Tom Zé,
Aqui neste lugar
Onde Adoniram Barbosa
Não encontrou seu amigo Ernesto
E resolveu nunca mais voltar
Uma pena
Talvez ele teria visto depois da roda de samba que
Já naquela época
A fábrica do gasômetro não estava mais a todo vapor
E que a rua oriente
Antes das casas e cortiços
Já estava se transformando na rua das lojinhas
Que hoje de fato se tornou

Ai Tom Zé,
É preciso vir ver
Aqui nem precisa de atestado para comprovar que
São Paulo não é paulistana, é mentira, esta cidade, na real, é imigrante!
E não existe lugar na américa latina mais variado do que o Brás
E só a ciência do museu cata-vento
Pra explicar a poeira que exala daqui.

Ai Tom Zé,
Aqui eu me sinto tão brasileiro
Nessa correria metropolitana
Que dá lampejos a todo instante
De alegria, horror,
Esperança, medo,
Fé, revolta
Passando de ônibus que peguei no Parque Dom Pedro
Dá pra ver ao passar pelo Brás
Uma escola de teatro,
Bares dançantes,
Açougues e bancos que roubam nosso dinheiro
Padarias, depósitos, galpões abandonados,
Artistas de rua, gente pedindo dinheiro,
Industrias fantasmagóricas, crianças chorando, barracos de madeira,
A polícia passando,
O velhinho com um copo de cerveja na mão no bar decadente,
Cachorros soltos na rua, vendedora de chip pra celular,
Tráfico de drogas nas biqueiras e nas farmácias,
Postos de saúde, a fila enorme do bom prato,
A culinária árabe e italiana e africana e nordestina..

Ai Tom Zé,
É da Estação do Brás que você conhece bem
E que agora nestes tempos atuais tem até Wi-fi
Que faço minhas postagens e envio meus e-mails pelo celular
Mostrando o Brás das multidões
Que revelam outro Brasil.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

TATI: Teoria Anárquica Teatral Independente

Por Orlando Róliúde

1. Não se fala sobre outra coisa entre os intelectuais do Brás.
Colocam-se reincidentemente a seguinte pergunta: por que teatro hoje? 
Se debatem, não encontram respostas, andam meio bêbados pela 21 de Abril, 

2. Eis que gostaríamos de apresentar aos senhores, nós, os intelectuais do Brás, uma nova possibilidade de resposta que não as tradicionais, as banais, as corriqueiras e aquelas que em muito se dissociam da realidade. Depois de muitos nos debatermos, nosso corpo pensa ter achado uma saída. 

3. Em uma primeira instância, obviamente, a questão é atemporal. Porque fazer hoje em alguma medida não se dissocia do porque fazer antigamente, em outros contextos, situações.  Por que há o desejo e antes houve de se fazer teatro? Não sabemos. O que é teatro, afinal?

4. Partimos do simples, do vulgar, do mais rasteiro, detestamos a burocracia de pensamento, etc. Teatro é uma coisa que se faz diante de outras pessoas, geralmente usando-se o corpo, o corpos, de artistas do corpo chamados "atores", enfim. não tem muito como ir além disso na real. Tem a ver com representação de coisas, presentificação de coisas, deslocamento de percepções de si e do outro no tempo e no espaço. 

5. Se você pedir pra qualquer pessoa que faça "um" teatro, dizer que fulano fez "um" teatro, ela entenderá se tratar disto, de uma situação de representação ao vivo para que outros vejam, testemunhem, de espetáculo, performance, exagero, falsidade, artifício, arte usando recursos expressivos do corpo, etc.

6. Porque fazer isso, em termos profissionais, hoje?

7. Profissionais, profissão, oficio, uma profissão, que é?, uma ocupação?, ser carteiro, médico, dentista, cozinheiro, motorista, lavador, advogado, carpinteiro, montador, torneiro, professor, etc, que é? Modos de ganhar a vida na selva das cidades mediante a execução rotineira, constante, em constante pesquisa, aprimoramento. 

8. Reformulemos a pergunta: por que, na selva das cidades, fazer "um" teatro pra "ganhar a vida"?

9. Desejo intrínseco, divertimento de quem faz, divertimento de quem participa vendo ou testemunhando, possibilidade de fazer, crença na potência política das narrativas, crença na necessidade de intervenção política para a superação da miséria humana, crença no potencial subversivo de transmissão das narrativas pra contornar a burrice do poder, a ignorância do poder, 

10. É preciso desenvolver a TATI: Teoria Anárquica Teatral Independente, capaz de, entre outras coisas, mover a máquina teatral de maneira autônoma, sem necessidade do Estado para garantir sua existência, multiplicando-se e financiando-se de maneira independente.

11. Estado: pacto de submissão contínua entre cidadãos e um poder público centralizado, pacto entre cidadãos e máquina pública administrativa. Consideramos o teatro como item indispensável para a formação cidadã, para a formação política de um povo, mas não queremos pactuar nossas narrativas com a defesa de um Estado. As narrativas querem o que, afinal de contas? Formar o povo politicamente para que siga acreditando nesta falácia?

12. É preciso a todo instante lembrar-se da conjuntura: atualmente, o Estado brasileiro não mais possui um Ministério da Cultura. Responderam para nós esta questão, nos libertando forçadamente da tarefa inglória de defender o Estado em nossas narrativas. Sem querer, os fascistas libertaram nosso rabo preso. 

11. O principal desafio da TATI é ser capaz de contornar os modos de produção do Capital valendo-se do fato de que, na sociedade capitalista, o teatro torna-se um produto valorado por seu Tempo de Exibição (TE), tão somente. Como superar o desafio de custear o  Tempo de Produção (TP), empregando-o no valor do TE, sem impedir financeiramente que se torne produto acessível, isto é, que se torne artigo de luxo?

12. Outro desafio da TATI é pensar em como organizar-se sem reproduzir os métodos de (re)produção burgueses. A TATI é uma máquina de produção teatral desassociada dos moldes hegemônicos. Ela busca permitir que o teatro se reproduza em multiplicidades. Ela ama a expressão "peças de teatro", pois as imagina assim, como uma multiplicidade de coisas que, juntas, movimentam uma máquina. 

13. Neste caso, a TATI não é capaz de ser preocupar com uma ou outra peça de teatro, uma ou outra pesquisa. Ela é pretenciosa e busca responder e resolver os anseios de toda uma geração. 

14. (...) 

15. (Preencha você mesmo) 

domingo, 13 de janeiro de 2019

Boogarins: músicas alucinógenas para um tempo que não merece a nossa lucidez

Escrevivência de Ayan Sardas  

Boogarins no palco do Sesc Pinheiros no dia 11/01 
abriu ala para o ano de 2019 
para um publico que lotou o Teatro Paulo Autran. 
Quem esteve presente pode ver e sentir uma banda que
radicaliza, arrisca, subverte, dilata, distorce e experimenta 
suas próprias composições para assim reinventa-las,
olha-las por outros aspectos a todo instante 
quase como uma brincadeira ou como um mantra.
Ao escutar as músicas de Boogarins 
tenho a impressão de que elas são alucinógenas,
isso se confirma em seu show.
Com luzes e projeções que dão ênfase a sonoridade, 
os artistas da banda vivem uma espécie de delírio no palco 
capazes de abrir portais que nos levam para outros lugares,
outras cores, outros cheiros, outros corpos, outras sensações. 

Em um tempo de quantidade e velocidade de informações, 
sejam estas verdadeiras ou falsas, 
em um tempo de pouco diálogo e pouco debate
sobre questões crucias para a sociedade, 
tempo em que a performatividade dos nossos egos 
soterram nossos afetos
e nos afastam do aqui e agora, 
estar presente no show do Boogarins é como um 
ato de presentificação, um flerte de realidades e imaginários,
é também como uma aprendizagem, ou um manual de que
para viver nesses nossos tempos
é preciso ter coragem para radicalizar, 
subverter, 
arriscar, 
distorcer, 
dilatar,
e experimentar 
para reinventar os modos de como
nos olhamos e como olhamos o mundo
e as suas infinitas possibilidades de existência

Boogarins nos mostrou que manter-se 
na suposta segurança da lucidez
pode ser uma cilada diante do tempo que vivemos

e desse atual governo do país.
É preciso de doses diárias de alucinações como a banda proporciona
para se libertar do tempo dos homens 
para ter alguma esperança, para poder sonhar, criar, fazer, ser,
e reexistir a todo momento, hoje, amanha, 6 mil dias, 
muitos meses, muitas horas sem parar

sem parar 
sem parar 
sem 
parar 
sem parar 
sem parar sem parar
sem parar
sem parar sem parar
sem parar sem 
sem parar sem parar 
sem parar
sem parar sem 
parar sem parar sem parar 
sem...

Da esquerda pra direita: Raphel Vaz, Benke Ferraz, Yanaiã Benthroldo e Fernando Almeida.
*Alusões às faixas "6000 dias" e "Tempo" do álbum Manual.