Escrevivência de Ayan Sardas
Revelam outro Brasil
O meio fio está repleto
Dos restos dos inquietos
Sedentos por trocar
mercadorias por dinheiro
Dinheiros por mercadorias
De baixo desse sol
O suor escorrendo
São Sacolas nas mãos
Em frente à estação
No meio do Largo da Concórdia
Desconfio da discórdia
Que o homem com a bíblia no braço
Armou maior confusão com cigana bonita
Que dizia que ali no Brás não existia deus não
Porque aqui tem de tudo
Você vai vir comprar
Mesmo com os corpos suados
Baterás suas pernas
De baixo desse sol
Desembarcará
Pro resto da suas vidas
Na estação do Brás
Para o mercadão do Brasil
O Brás, capital dos imigrantes
2 milhões de pessoas
Vindas de todos os lados
Abarrotadas numa hospedaria
Que de tanta gente hoje virou
Museu pra contar essas histórias
Refrescar nossas memórias
Mas pelo jeito como andam as coisas
É preciso desejar
Para não queimar o museu da imigração
Ai Tom Zé,
Antes eram os italianos
Que ocupavam este bairro
E até hoje vemos rastros de sua cultura
Como até hoje o povo do norte e nordeste
Estão presentes nestas ruas
Ai Tom Zé,
Mas queria tento que você visse
Os olhares desse povo da Bolívia
Esse povo bonito
Estes olhos profundos
Que tanto tem a dizer
Ouço os tec tec tec
Das maquinas de costura
Torço pra que não seja
Tortura dessa nova velha escravidão
Tec tec tec tec tec
Ai Tom Zé,
É preciso ver com os próprios olhos
Que agora em cada esquina tem uma igreja evangélica
Esse negócio promissor
Nesse Brás de muita gente
Dos terreiros escondidos
Esse comercio de igreja impera
Dá um lucro danado
Mas antigamente a igreja do Bom Jesus do Brás
Era a principal da região
Falava-se muito também até então da
Paroquia São Vito
Que nos protege do sono para ficarmos
Acordados na feira da madrugada
Até que foi erguido o Templo de Salomão
Para finalmente nos salvar
Das enchentes que inundam
A Av Rangel Pestana e a Celso Garcia
Finalmente o Templo de Salomão foi erguido!
Este muro alto que parece o de Berlim
Que divide tanta gente,
Que divide opiniões e sensações, e a paisagem
Até o Trump teria inveja de algo tão arrojado pra separar o povo mexicano
Lá da estação Bresser-Mocca dá pra ver as suas luzes douradas
Agora vamos lá povo do Brás
Vamos ocupar essa fortaleza
Pegar o que nosso por direito
Erguer um altar para o São Sacolas
Nosso santo pagão
Do comercio do Brás
Ai Tom Zé,
É preciso ver também esse povo
A diáspora africana
Com suas lojas bacanas
Estendidas no chão
Aos domingos fazem festas nas calçadas
Embelezando o Brás
Com as suas crianças brincantes
Usando batas brilhantes
Vendem fones de ouvido
Pra nos fazer escutar melhor
Sobre os nossos ancestrais
Ai Tom Zé,
Aqui neste lugar
Onde Adoniram Barbosa
Não encontrou seu amigo Ernesto
E resolveu nunca mais voltar
Uma pena
Talvez ele teria visto depois da roda de samba que
Já naquela época
A fábrica do gasômetro não estava mais a todo vapor
E que a rua oriente
Antes das casas e cortiços
Já estava se transformando na rua das lojinhas
Que hoje de fato se tornou
Ai Tom Zé,
É preciso vir ver
Aqui nem precisa de atestado para comprovar que
São Paulo não é paulistana, é mentira, esta cidade, na real, é imigrante!
E não existe lugar na américa latina mais variado do que o Brás
E só a ciência do museu cata-vento
Pra explicar a poeira que exala daqui.
Ai Tom Zé,
Aqui eu me sinto tão brasileiro
Nessa correria metropolitana
Que dá lampejos a todo instante
De alegria, horror,
Esperança, medo,
Fé, revolta
Passando de ônibus que peguei no Parque Dom Pedro
Dá pra ver ao passar pelo Brás
Uma escola de teatro,
Bares dançantes,
Açougues e bancos que roubam nosso dinheiro
Padarias, depósitos, galpões abandonados,
Artistas de rua, gente pedindo dinheiro,
Industrias fantasmagóricas, crianças chorando, barracos de madeira,
A polícia passando,
O velhinho com um copo de cerveja na mão no bar decadente,
Cachorros soltos na rua, vendedora de chip pra celular,
Tráfico de drogas nas biqueiras e nas farmácias,
Postos de saúde, a fila enorme do bom prato,
A culinária árabe e italiana e africana e nordestina..
Ai Tom Zé,
É da Estação do Brás que você conhece bem
E que agora nestes tempos atuais tem até Wi-fi
Que faço minhas postagens e envio meus e-mails pelo celular
Mostrando o Brás das multidões
Que revelam outro Brasil.